O piloto taxia suavemente o helicóptero sobre o asfalto do Campo de Marte, até posicioná-lo para decolagem, quase sem colocar as mãos nos comandos. A aeronave é colocada num hover a 50m do solo. O cíclico parece um manche de aeronave militar. Ele aperta um único botão neste (só um, uma vez) e a aeronave docilmente se move um metro para a direita. Aperta um outro, uma única vez, e a máquina se move um metro para trás. Então, aciona um comando e, sem tocar em mais nada, o helicóptero decola sozinho, perfeitamente e sempre com suavidade.
Fácil, tranquilo.
Quanto tempo demorará para que o piloto precise apenas falar, “suba”, “vire à esquerda”, “paire”? Não sei. Mas aqui, ele já só precisa dar uns breves comandos com as pontas dos dedos.
Estamos a bordo do Airbus ACH-145 Line, o primeiro no mundo entregue a um cliente – e é no Brasil. Para a imprensa, a aeronave foi apresentada e demonstrada em voo pela Helibras (responsável pela oferta do modelo no Brasil) nesta terça, 27 de novembro. Venha a bordo conosco!
Antes, porém, de falarmos dessa máquina que voamos, vamos conhecer um pouco de sua história – afinal, você está com ASAS, história é conosco! Bem, o ACH-145 Line é o mais recente representante de uma longa linhagem de helicópteros iniciada na segunda metade dos anos 1970, num programa de desenvolvimento conjunto da alemã MBB (Messerschmitt-Bölkow-Blohm) e a japonesa Kawasaki, que resultou no modelo civil original BK117, cujos primeiros voos aconteceram em 13 de junho de 1979, em Ottobrunn, na Bavária (Alemanha), com o protótipo da MBB, e em 10 de agosto do mesmo ano, em Gifu, na região de Chūbu (Japão), com o da Kawasaki.
Chamando atenção em seu design original, o cone de cauda foi posicionado alto na junção ao corpo da fuselagem, permitindo duas grandes portas traseiras, tipo “concha”, que facilitam o embarque rápido e ágil de cargas diferenciadas, como macas. Esta característica, numa aeronave biturbina de tamanho médio, tornou o BK117 especialmente atraente para operações de resgate aeromédico – missão na qual o modelo se tornou o melhor de sua categoria.
Outra característica disruptiva da máquina foi o emprego de um rotor principal de conceito revolucionário, de tipo rígido, contruído de material composto (composite), desenvolvido pelo engenheiro alemão Ludwig Bölkow. Resultando disso, o BK117 exibia tanto uma elevada estabilidade em voo quanto alta manobrabilidade, com tal combinação lhe dando uma performance ímpar – o helicóptero, por exemplo, é capaz de fazer aproximações em atitude mais agressiva que qualquer outra máquina de sua classe. O rotor, além das características citadas, possui quatro pás de relativamente curta envergadura, cuja aerodinâmica avançada permite velocidades mais baixas de giro, daí resultando índices apreciadamente menores de vibração e de ruído.
Com tudo isso, fica fácil perceber que a máquina nipo-germânica tinha um invejável potencial de multifuncionalidade, de modo que foi comercializada para diversas funções além de resgate, como transporte executivo/corporativo (sua fuselagem oferecendo um invejável espaço interno de conforto, num tipo de sua classe), aeronave policial, busca e resgate e até guindaste aéreo; e em 1985, surgiu uma variante militar, passível de ser armada com mísseis, foguetes não-guiados, pods de metralhadoras e outras armas.
Projetos aeronáuticos de excelência trazem em seu DNA a capacidade de serem melhorados e aperfeiçoados em “gerações” sucessivas, e assim vem ocorrendo com o BK117 desde então. Além disso, houve a evolução de fusões e reorganizações dos fabricantes e das marcas, de modo que a designação do modelo foi se alterando com o tempo. Em dezembro de 1989, a MBB foi adquirida pelo grupo germânico DASA (Deutsche Aerospace Aktiengesellschaft), e pouco depois, em 1992, o BK117 passou para o portfólio de produtos da recém-formada Eurocopter – surgida da união das divisões de asas rotativas da alemã DASA e a francesa Aérospatiale. Neste contexto, o BK117 foi então redesignado EC.145 (baseado então na mais recente variante BK117C-2). A própria Eurocopter, porém, estaria logo inserida dentro do megagrupo europeu Airbus, e em 2014 foi tomada a decisão de se unificar todos os brands sob a legenda única “Airbus”. Deste modo, o antigo Grupo Eurocopter tornou-se a Airbus Helicopters SAS – com toda a sua linha de produtos sendo “rebatizada”, e o EC.145 tornando-se então o H145 que temos hoje. Ufa!
Mas então, por que começamos este texto falando de um “ACH”?
Seria uma versão de “attack & combat” do helicóptero executivo, numa adaptação emergencial à violência urbana de nossas grandes cidades? Felizmente, não!
O ACH remete à “Airbus Corporate Helicopter”, que vem a ser um brand criado especificamente para a linha de asas rotativas da fabricante voltada ao mercado executivo, representando todo um conceito de lifestyle que combina luxo, performance, estilo e emoção. E o ACH-145 Line é o mais novo produto do brand, sendo que o primeiro exemplar entregue a um cliente no mundo, como dissemos, veio para o Brasil.
Todos os H145 são fabricados na planta em Donauwörth, uma encantadora cidade alemã situada entre Nuremberg e Munich. Segundo dados do fabricante, existem hoje 1.452 exemplares em operação no mundo (das várias “gerações”), estando 19 no Brasil – sendo estes 17 EC.145 e dois já fabricados como H145 (ou seja, entregues à partir de 2015).
Das características que citamos do projeto original BK117, podemos dizer que o diâmetro reduzido do rotor principal (em giro), que é de 11m para o ACH-145 Line, permite a sua operação em qualquer heliponto da cidade de São Paulo. Já a tecnologia (sobretudo, de materiais) trabalhou para que, mesmo com todos os itens diferenciados a bordo, esta versão ACH-145 Line mantenha os mesmos pesos do H145 VIP padrão – cerca de 2.300kg vazio (equipado, mas sem combustível e carga útil), em configuração para 8 passageiros; tendo 3.700kg de peso máximo de decolagem (que pode ser “ampliado” para 3.800kg com o AGW, Alternate Gross Weight, envelope de voo diferenciado opcional certificado pelo fabricante para toda a linha ACH/H145).
Em termos de tecnologia, o coração do ACH-145 Line, que está inclusive por trás do voo automatizado descrito no começo do texto, é a suíte de aviônicos Helionix, dotada de AFCS (Automatic Flight Control System, o piloto automático) em 4 eixos. A tecnologia da Helionix foi 100% desenvolvida pela própria Airbus, e não oriunda de um fornecedor externo, e seu conceito é integralmente voltado ao emprego em helicópteros. Além do ACH-145, a suíte faz parte dos sistemas dos outros modelos hoje oferecidos sob o novo brand ACH, que são os ACH-135, ACH-160 e ACH-175.
Outras inovações deste ACH-145 Line estão no infográfico fornecido pela Airbus, assim como os dados técnicos.
No mercado brasileiro, esta máquina, cujo preço fica entre US$ 10,7 e 11 milhões, oferece, como todas as versões H145, a versatilidade de tipos de categoria leve (como a operação em praticamente qualquer heliponto) unida às comodidades e facilidades de espaço interno e carga útil de uma legítima máquina de categoria média. No caso específico do ACH-145 Line, porém, podemos falar de um conforto bastante incrementado, com sistema de ar-condicionado individual, bancos de elevado conforto e facilidade de reposicionamento, compartimento interno para snacks e bebidas, e outras amenidades. No caso dos bancos, por exemplo, a facilidade de reposicionamente permite um conforto maior, pois pode-se adequar rapidamente a distância entre os mesmos de acordo com as pessoas que irão a bordo – ou mesmo a retirada de alguns bancos para um maior espaço de relaxamento, se for o caso. A aeronave que voamos estava configurada para sete passageiros, com dois pares de poltronas voltados um de frente para o outro, e o espaço entre as poltronas opostas era de cerca de 75cm.
Duas das poltronas eram viradas para trás, as primeiras depois da cabine de pilotagem, e ocupei uma delas. Assentos voltados à traseira de uma aeronave (qualquer que seja esta) não são nunca os mais confortáveis, dada a dinâmica do voo, sendo popularmente alcunhados de “assentos do enjoo”. Some-se a isto que nosso voo decolou do Campo de Marte por volta das 11h45 num dia quente e ensolarado na capital paulista – uma soma de fatores cujo resultado era uma razoável turbulência térmica. Entretanto, o ACH-145 Line portou-se maravilhosamente bem. Estável, com um mínimo de vibração e ruído interno, e uma temperatura de cabine fresca e agradável. Mesmo sentado “de costas”, o voo para mim foi absolutamente confortável e prazeiroso.
E tudo com uma performance invejável.
Num exemplo típico de Brasil, para o mercado ao qual se destina, um ACH-145 Line pode decolar de São Paulo com até dez pessoas a bordo, ir à Parati e retornar a São Paulo, chegando nesta ainda com uma hora de reserva de combustível!
Finalizando, o feliz operador deste primeiro ACH-145 Line no mundo é a Bodepan Empreendimentos Agropecuários e Imobiliários.