Hoje, 22 de Abril, Dia da Aviação de Caça, a Força Aérea Brasileira (FAB) vive um momento singular. Por um lado, a força já conta (em partes) com aquele que é indiscutivelmente o mais avançado jato de combate da América Latina, o F-39E Gripen. Por outro, em meio a indecisões sobre os passos além da aquisição do primeiro lote de 36 F-39E/F, vê suas unidades de combate ficarem sem aeronaves ao ponto de serem desativadas por simples falta de material disponível para voar.
Percebe-se o desafio do cenário com o anúncio de um serviço inédito de recuperação de um caça F-5FM, finalizado no Parque de Material Aeronáutico de São Paulo (PAMA-SP), garantindo a prorrogação da vida útil da aeronave. Apesar dos méritos dos militares, o fato é que a FAB chegou à triste realidade de o fim da operação dos caças F-5 ser um problema preocupante em pleno 2025, quando o venerável jato da década de 70 já deveria ser apenas uma boa memória.

Por muitos fatores, pode-se afirmar que, hoje, o F-5 é a aeronave mais difícil de ser substituída da frota da FAB. Não se trata apenas das dificuldades naturais para reunir os recursos financeiros necessários ou mesmo de questões de desempenho. As mais acessíveis opções de segunda mão no mercado atual já conseguiriam trazer ganhos operacionais frente aos F-5. A questão é como obter o nível de domínio técnico que a FAB conseguiu com o jato e o alto nível de treinamento obtido ao longo de décadas, sem descontinuar a operacionalidade.
A própria história do F-5 dá algumas dicas. Os 36 primeiros F-5E e os seis F-5B adquiridos em 1973 e recebidos a partir de 1975, há 50 anos, vieram novos e receberam apoio técnico adequado, permitindo que naquela época a FAB alcançasse significativos saltos operacionais. No fim dos anos 80, porém, os 22 F-5E e 4 F-5F adquiridos usados da United States Air Force chegaram, em alguns casos, em condições estruturais tão precárias que ficaram meses fora de serviço. Somente o conhecimento prévio já adquirido pelas equipes de manutenção da FAB possibilitaram recuperá-los.
Mais de vinte anos depois, o próprio parque industrial brasileiro também conduziu uma bem-sucedida modernização das unidades, permitindo a notável marca de mais de cinco décadas de serviço. Vale ressaltar, porém, que o salto tecnológico dos F-5EM/FM, designações após a revitalização, é referente a duas décadas atrás. Naturalmente, a questão agora vai além do recheio eletrônico, com a obsolescência atingindo a estrutura física, o que tem exigido um desempenho exemplar do setor de manutenção da FAB, mas algo que não deveria ter sido necessário.

Apesar de todo o esforço da FAB, essa história se aproxima do seu fim de com roteiro preocupante. Os F-5 estão em desativação: este ano deve ser encerrado com 28 em serviço e daqui a quatro anos, em 2029, serão apenas 14 em voo, finalizando a história dos “bicudos” na FAB. Essa estimativa, estabelecida em uma Diretriz do Comando da Aeronáutica de 2023, considera um bem planejado remanejamento de itens de forma a permitir que as células menos desgastadas se mantenham em voo. Porém, como mostra a própria experiência da FAB com vetores como o Gloster Meteor, ou a experiência de outras forças aéreas, problemas técnicos típicos do envelhecimento da frota podem acelerar esse ritmo de desativação.
Planos de completar a frota de F-5 com outros caças existiram nos anos 80, 90, 2000 e 2010. De concreto, houve a efêmera operação dos Mirage 2000 de segunda mão entre 2006 e 2013, e, depois, o lento processo de recebimento dos 36 F-36E/F anunciados em 2013, adquiridos em 2014 e com menos de dez unidades em serviço em 2025 – sendo que o principal compromisso era a substituição dos Mirage.

Este primeiro lote de Gripen – eventualmente único lote – dificilmente será completado antes do fim desta década, em um cenário onde se fala de falta de recursos e eventuais desafios técnicos. Para se ter uma ideia, só em 8 de outubro, menos de um mês antes da CRUZEX 2024, o Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI), unidade da própria FAB, emitiu o Certificado de Aeronavegabilidade Inicial (CAI) para a aeronave. Era um requisito para a participação do caça no treinamento, quando foi muito bem avaliada por brasileiros e estrangeiros. Em 2025, foi anunciado o sucesso dos testes de voo em clima quente com 4 mísseis ar-ar e tanques subalares – isto, mais de quatro anos depois da chegada da primeira aeronave ao Brasil.
É um avião incrível. O problema é a inexorável marcha do tempo, que tem engolido a aviação de caça brasileira enquanto o Gripen não se torna, efetivamente, uma solução prática.
Para completar, o crepúsculo do F-5 acaba coincidindo com o fim de outra história. O A-1 AMX deverá dizer adeus à vida operacional ainda em 2025, deixando uma lacuna significativa em termos de missão de ataque à superfície. Nesta arena, nem modernizado o F-5 chegou a ter um desempenho próximo ao alcançado pelo jato de ataque desenvolvido por Brasil e Itália.

A situação fica mais crítica quando a própria missão de defesa aérea também já está comprometida por conta da falta de aeronaves. Como não há indicativos de que os F-39 recebidos até agora já cumpram missões de ataque a superfície, pode-se admitir que a partir de janeiro de 2026 a FAB terá sua capacidade de ataque ao solo fortemente comprometida. Restarão apenas os Super Tucano, lentos e pouco armados, e os F-5, com alcance reduzido e também baixa capacidade, além de enorme compromisso com a defesa aérea.
A falta de aeronaves é real. O desaparecido de unidades aéreas tem sido o maior indicativo dessa crise. Em dezembro de 2016, foi desativado o Esquadrão Adelphi, que era equipado com os A-1 AMX e sediado na Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro (RJ). Em 2021, foi a vez do fim das atividades do histórico Esquadrão Pacau, que estava equipado com caças F-5, a partir da Base Aérea de Manaus. Em 2024, o Esquadrão Centauro, que estava equipado com os A-1 na Base Aérea de Santa Maria, não foi desativado, mas ficou em “suspensão”, sem aeronaves próprias.
O Estado brasileiro precisa apresentar decisões com a velocidade necessária para a defesa da soberania nacional. Uma eventual distribuição dos 36 F-39E/F (o primeiro F-39F sequer voou até o momento!) para mais de uma localidade é factível, ainda que dependesse de obras de adaptação de unidades mais antigas, como é o caso da Base Aérea de Canoas, da Base Aérea de Santa Cruz, Base Aérea de Santa Maria e, quem sabe, da Base Aérea de Manaus.

Porém, isso nem de longe resolveria os problemas numéricos. É fato que um caça moderno como o Gripen pode compensar a redução do número de vetores frente a modelos mais antigos, mas vale ressaltar que aproximadamente 20 anos atrás a FAB contava com mais de 36 F-5 em serviço, um número próximo disso de A-1 e ainda cerca de uma dúzia de Mirage. Seria uma redução numérica para cerca de 1/3 do que havia em voo. É uma queda muito grande para ser compensada pela tecnologia, com o fator complicador de vivermos, agora, em um cenário geopolítico mais incerto do que o desenhado no início do Século XX.
Uma decisão parece ter sido tomada até agora: há poucas chances de se manter o plano inicial de ter um único caça de combate para substituir os Mirage, os F-5 e os A-1, algo que deveria ter sido realizado por meio de lotes adicionais do Saab Gripen E, o vencedor do afamado programa F-X2. Lotes adicionais desse jato não estão descartados, porém, o Alto Comando já vê com bons olhos outras opções de mercado, seja por um preço mais baixo, seja por uma perspectiva de entregas mais rápidas.

A questão é como essa decisão será tomada. A aquisição do segundo lote de F-5, que chegaram em más condições estruturais no fim dos anos 80, mostra os riscos desse tipo de negócio. Os Mirage 2000, que vieram no fim da vida útil, também mostram que algumas decisões também devem ser tomadas apenas como soluções-tampão. Até o Atlas Impala, irmão monoplace do AT-26 Xavante adquirido de segunda mão da África do Sul, mostrou as surpresas das compras de segunda mão.
A tradição brasileira de envolver a indústria nacional também precisa ser lembrada, sempre em busca de conjugar projetos de defesa com desenvolvimento econômico e social, além de assegurar o domínio tecnológico. Porém, isso já está profundamente intricado no programa do Gripen. Soluções de offset ou negociações envolvendo outras áreas da economia podem ganhar pontos em negociações. Vale, por fim, sempre estar atento aos cenários geopolíticos, e esta é uma época em que as notícias internacionais mostram um evidente processo de criação de novos alinhamentos e de rompimento de parcerias que pareciam sólidas.

É neste contexto que a Força Aérea Brasileira olha novos cenários. Caças como o norte-americano F-16, o francês Rafale, o sul-coreano FA-50 Golden Eagle, o indiano Tejas, o chinês J-10, o sueco Gripen C/D e o italiano M346FS podem, cada um a seu turno, parecerem a escolha lógica para o Brasil. Podem ser aeronaves novas, ou mesmo usadas. Cada uma trará maior ou menor capacidade, custo, riscos técnicos e ganhos operacionais. O fato é que todos eles são plenamente capazes de substituir os F-5 e os A-1 nos aspectos operacionais, ainda que não no domínio das tecnologias.
O que tem ganhado contornos de urgência é que uma dessas opções deixe de ser uma mera opção e se torne uma realidade. A hora da decisão já chegou.
Depois desse embrolio de g@lpe militar. As perdas serão maiores, em termos de descaso!