ARTE, CULTURA & LAZER

José de Alvarenga (1942 – 2023), Um Ícone do Plastimodelismo nos Deixou

José de Alvarenga (à esquerda) e Camazano (à direita)

por Aparecido Camazano Alamino

O dia 21 de novembro de 2023 foi muito triste para a comunidade de História da Aviação e dos plastimodelistas brasileiros, pois tivemos a infeliz notícia da partida de nosso inesquecível amigo José de Alvarenga, que estava hospitalizado em Florianópolis (SC) desde o dia 12 de novembro, após ter sofrido um acidente doméstico, caindo em uma escada e sofrido traumatismo craniano, exigindo que fosse submetido a uma cirurgia de emergência, para retirar um coágulo que havia se formado no cérebro.

Após a cirurgia, ele ficou em coma até o dia 21, não se recuperando e não reagindo, quando nos deixou, enlutando uma plêiade de amigos e admiradores, pois a sua simplicidade, simpatia e bom humor, sempre cativavam as pessoas que tinham contato com ele.

José de Alvarenga nasceu na cidade paulista de Lorena, no Vale do Paraíba, em 1º de abril de 1942 e desde cedo a aviação foi o seu grande sonho. Ingressou na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR), sediada na cidade vizinha de Guaratinguetá em 1960, onde formou-se em 1962 na especialidade de Especialista de Armamento.

Seguiu carreira na Base Aérea de Santa Cruz por alguns anos, onde trabalhou com os jatos Gloster F-8 Meteor, seguindo, após, para a recém-inaugurada Base Aérea de Santa Maria, RS, onde atuou como graduado de armamento da tripulação dos helicópteros Bell UH-1D Huey, quando coroou os seus desejos de voar e atuar operacionalmente em sua especialidade.

Alvarenga também tinha o talento de pintar e realizar trabalhos manuais, como o plastimodelismo e a elaboração de pinturas em quadros e de emblemas da FAB, destacando-se nesses quesitos, que foram muito úteis para as Unidades onde serviu.

Esse talento o levou a atuar nesses setores na Fundação Santos-Dumont, em São Paulo e no Museu Aeroespacial (MUSAL), passando para a reserva em 1988, quando estava no MUSAL, encerrando, assim, uma brilhante e significativa carreira na Força Aérea Brasileira.

Na reserva, fixou residência na cidade de Florianópolis (SC), onde dedicou-se a estudar as aeronaves da FAB, montar os mais diferentes modelos e kits de plastimodelos, bem como participar de inúmeros eventos de plastimodelismo em todo o Brasil, onde, normalmente, sagrava-se o vencedor nas mais diversas modalidades.

Sempre sorridente e amante de uma cervejinha, podemos considerar que o Alvarenga viveu muito bem a sua vida e agora seguirá para a sua nova morada, para continuar a sua saga de fazer aquilo que mais gostava, a Aviação e o Plastimodelismo, onde era considerado por aqui como o seu decano!

Descanse em paz querido amigo. Que Deus o receba e console a grande perda de sua família e de seus amigos!

Mais de quatro décadas de amizade, por Rogério Terlizzi

José de Alvarenga (à esquerda) e Terlizzi (à direita)

A primeira vez que li e soube do Alvarenga foi através de algumas linhas numa revista “Aero”, do final dos 70 ou início dos 80, na qual o editor José R. de Mendonça relatava que um sargento da FAB realizava modelos da Força em madeira, na escala 1/72, e incrivelmente detalhados, usando a técnica do scratchbuilt. Na época, isso me fascinou, pois eu era neófito em plastimodelismo, bem como adorava o tema da aviação brasileira, que na época era muito dificultoso de explorar, pela inexistência de decais, bem como de kits de aeronaves comerciais.

Por volta de 1982, tive a felicidade de conhece-lo pessoalmente, numa reunião do GPP ainda nos porões da antiga Oca, sede do Museu de Aeronáutica da Fundação Santos Dumont, no Ibirapuera, em São Paulo.

Imediatamente, identificamos mutuamente afinidades no interesse pela pesquisa da história da aviação brasileira e pelo modelismo da mesma.

Em pouco tempo nos tornamos amigos, em sólida amizade, e passamos a frequentar a casa um do outro, apesar de eu ter a idade dos filhos dele. Foi atemporal.

Logo após, formamos uma galera informal interessada no tema, com modelistas, spotters, entusiastas, pesquisadores e aviadores, passando a realizar reuniões informais na garagem de casa, bem como, frequentemente, em boas pizzarias paulistanas. Desse grupo faziam parte o Sr. Alberto Fortner e filhos (spotters), Luiz Ventura (junkersrólogo) e seu filho Luiz Fernando (embraerológo), o Camazano, Paulo Laux (então editor da revista “Voar”), Ney Senandes (comandante de Electra da Varig), Ermanno La Chioma e Alexandre Catelli (modelistas). Infelizmente, alguns já não estão entre nós…

Nesse tempo, essa camaradagem e interesse comum romperam a fronteira estadual com o Rio de Janeiro. Passamos também a frequentar a galera carioca do 1º ESRAHAN (1º Esquadrão de Ratos de Hangar), que reunia também pesquisadores, modelistas, veteranos aviadores; que também se reuniam religiosamente todos os sábados, no apartamento do saudoso Xico Pereira (autor da valorosa obra “Aviação Militar Brasileira”). Compunha esse grupo também o Comdt. Carlos Dufriche (comandante de navios e na minha opinião, o realizador do mais completo livro da aviação brasileira), Antônio Linhares (fundador e presidente do IPMS Brasil), Vito Cedrini (spotter), Cel. Jordão (Musal), Cel. Gomes, Jackson Flores Jr. (pesquisador), e Cmdt. Max Leal (Panair e Musal).

Ao menos uma vez por mês, eu e o Alva encarávamos seis horas de Cometão ou Expresso Brasileiro até o Rio de Janeiro, para participarmos da reunião dos Ratos.

Por volta de 1987, surgiu a possibilidade de colaborar com o Museu da Fundação Santos Dumont, então sob a Presidência da Diretoria do veterano do 1º GAvCa, Brig. Newton Neiva de Figueiredo. Fui convidado e aceitei, desde que o Alva pudesse ser designado para prestar seus serviços lá, o que foi aceito. Ficamos dois anos lá, e creio termos feito um bom trabalho, apesar das crônicas dificuldades financeiras da instituição.

Neste anos de convivência com o Zé, eu sempre o incomodava para que ele fizesse um modelo em madeira do Focke-Wulf Fw-58 Weihe da Aviação Naval, pois dessa aeronave não existia então um kit plástico. Certo sábado, estávamos voltando de um chopp no Anhembi, ao lado da Vila de Sargentos do PAMA-SP, e ele do chão recolheu duas chapas de madeira pinus, que um dia tinham sido de uma caixa de maçãs, e me entregou e disse – “aí dentro estão as asas do seu Weihe. É só buscá-las. Liberte-as daí com a sua capacidade!”

Libertei-as! E foi uma lição que trago até hoje, na profissão de cenógrafo de cinema e publicidade, e também como modelmaker e maquetista. Valeu, Zé!

Após a Fundação Santos Dumont, eu vim para Floripa, e o Zé terminou a sua carreira na FAB servindo no Musal – o cara certo, no lugar certo!

Ele passou à reserva no posto de Tenente e foi morar em Lorena (SP), mas nunca perdemos o contato!

Anos depois, enviuvou de sua Margarida, e ficou triste, necessitado de novos rumos. Sugeri a ele se mudar para Floripa, e morando aqui, encontrou um novo amor, Lina, no avião indo para uma convenção no Nordeste. Estava feliz novamente!

Desde a sua mudança para cá, mantivemos contato, sempre no mesmo espírito dos anos 80, fosse em churrascos com uma nova turma, convenções pelo Brasil, ou mesmo só tomando uma Ipa em algum boteco aqui da ilha.

Amigo da vida toda!

Dentre os vários causos dele na FAB, esses divertidíssimos na maioria, havia um que o tocava. Que o entristecia. Foi o do acidente com o B-25 5043, no Pontal de Sernambetiba, Rio de Janeiro, no qual perderam a vida todos os ocupantes – alunos, instrutores de tiro aéreo e os pilotos. Se não me engano, 16 no total. Era para ele estar no voo, e houve troca de última hora. Sempre, em todos estes anos, comentava querer montar um modelo do 5043.

Montou esse ano – e foi o seu último.

Bons voos, meu irmão!

Sobre o autor

Humberto Leite

Comentário

  • Grandes e queridos amigos. José de Alvarenga sempre sorridente e disposto a ajudar com histórias, relatos e fotos sobre os primórdios da aviação militar e comercial no Brasil.
    Camazano e Terlizzi dois camaradas aos quais também tenho grande apreço. Incansáveis e dedicados pesquisadores todos eles trouxeram grandes contribuições para minha obra; “O último voo do C-47 2023, o desastre aéreo que abalou o Brasil.
    Certamente o céu está em festa com muitas conversas sobre aviação e regadas com muito chopp, como o nosso querido “Arva” gostava.

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