VAI VIAJAR?

O dia em que David Dao virou estrela

Por Pedro Autran

Se há alguma prova de que a frase de Andy Warhol, “um dia todos terão direito a 15 minutos de fama” estava absolutamente correta, ela tem nome e sobrenome nos dias que correm: David Dao.

Dao foi visto esperneando e sendo arrastado pelo chão por seguranças para fora de um avião da United Airlines, que iria decolar de Chicago para Louisville em 10 de abril passado. Como acontece com praticamente tudo o que ocorre em locais públicos (e muito do que se passa em locais privados também) hoje em dia, o incidente estava sendo visto – em tempo real ou alguns segundos depois – nas redes sociais ao redor do planeta. Óculos tortos sobre o nariz, a camisa amassada e levantada deixando à mostra a barriga de Dao… e o mundo ali, espiando, querendo saber a causa de tamanho reboliço dentro de um avião de carreira.

Em todo esse bafafá, segundo o advogado de Dao, Thomas Demetrio, seu cliente teve uma concussão, fraturou o nariz e perdeu dois dentes. Mesmo assim, no final do vídeo que correu o mundo, ele é visto, ainda despenteado, voltando para a cabine e correndo para o fundo do avião e repetindo: “Eu tenho que ir pra casa”.

Quando as causas ficaram sendo conhecidas, apesar de a aeronave ainda estar no solo, muita coisa começou a despencar para a companhia aérea. Caiu o prestígio, caiu o valor das ações da empresa na Bolsa de Nova York (em apenas quatro dias após o incidente, a companhia perdeu 2,5 bilhões de dólares em valor acionário), caiu a credibilidade das explicações…

O médico Dao, de ascendência chinesa, e mais três passageiros, haviam sido escolhidos por sorteio, segundo a empresa, para darem lugar aos membros de uma tripulação que tinha de se deslocar para Louisville o mais rápido possível. Os outros concordaram, mas Dao também tinha pressa de voltar para casa e de ver seus pacientes. Além disso, não fora avisado de overbooking em terra.

E foi chamado de “disruptivo” (significa “que interrompe o funcionamento normal de algo”, separativo, separatório…) pela empresa que, antes de cair em si – essa queda demorou mais a acontecer – e perceber o prejuízo que o incidente estava causando a sua imagem, não parecia muito disposta a achar algo de errado em sua parte nos fatos. Divulgando, por exemplo, que “nunca foi considerada a demissão de funcionário ou de qualquer outra pessoa por causa disso”.

Depois, o CEO da United, Oscar Muñoz, tentou amenizar, mas sem apresentar desculpas diretas ao cliente: “Este é um evento muito triste para todos nós aqui da United. Sinto muito por ter de reacomodar clientes”. (Depois, soube-se também que Muñoz teve de ir à China, em um gesto de simpatia para apaziguar um dos mercados mais importantes da United: os chineses mostraram-se furiosos nas redes sociais com as imagens do “compatriota” sendo arrastado.)

Finalmente, apareceu um pedido de desculpas e a frase “Tem sido uma experiência de aprendizagem e humildade para todos nós”, mas já era um pouco tarde, pois algumas empresas não esqueceram palavras bem diferentes ditas por Muñoz em março: “Aquelas companhias (da região do Golfo Pérsico) não são companhias”.

As respostas não tardaram: a Emirates, por exemplo, fez um vídeo em que manda um recado direto: “Bem, senhor Muñoz, segundo o TripAdvisor, não somos só uma companhia, mas a melhor”. E o vídeo termina com uma gozação ao lema da United: Fly The Friendly Skies (Voe Pelos Céus Amigáveis), que vem acompanhado, embaixo, por letras garrafais : THIS TIME FOR REAL! (Desta vez, de verdade!).

A Royal Jordanian Airlines também não perdeu a oportunidade, colocando imagens na redes sociais com o texto: “Gostaríamos de lembrar que fumar (utilizando o verbo drag, que também significa arrastar algo ou alguém) é totalmente proibido para passageiros e tripulação. Estamos aqui para mantê-los unidos (united, em inglês)”.

Fora os “memes” nas redes sociais, inclusive um que utilizava uma famosa cena do filme “Apertem os Cintos. O Pilotos Sumiu!”, em que uma passageira em pânico leva uns tapas para se aquietar e depois mais gente, com luvas de boxe, taco de beisebol, soco inglês e outros artefatos do gênero também se candidata a acalmá-la…

A atitude da United fez lembrar também episódios totalmente opostos, em que companhias aéreas trataram seus passageiros com grande consideração. Um deles, no início de abril, por parte do piloto e tripulação de um voo da Etihad, que sairia de Manchester, na Inglaterra, em direção à Austrália, com escala em Abu Dhabi.

Quando o avião já taxiava em direção à pista para decolar, o piloto abortou o voo para que um casal de avós pudesse desembarcar e ir correndo dizer adeus a um neto que estava em estado crítico em um hospital. Eles deixaram ligado o celular mesmo depois de embarcar e receberam um aviso por mensagem do genro dando conta de que o neto fora transferido para a UTI. A tripulação imediatamente parou o avião para que o casal pudesse descer e também retirou a bagagem dos dois do avião, levou-os até o terminal e providenciou para que fossem transportados o mais rápido possível até o hospital. Eles conseguiram ainda ver o neto com vida (ele morreria no dia seguinte). E a agente de viagens do casal, Becky Stephenson, disse que a Etihad ainda avisou os dois que eles poderão reutilizar suas passagens quando quiserem – sem prazo limite.

Em dezembro passado, outro caso que deu o que falar: o piloto de um voo da Delta, que decolava do Aeroporto Internacional de Minneapolis-Saint Paul, quando taxiava, viu da cabine um casal desolado e soube que eles iriam perder o funeral do pai. Não teve dúvidas: voltou com o avião até o terminal para que eles embarcassem para o Tennessee. Adiaram por algumas horas o funeral e os dois compareceram.

Ainda a Delta, em maio de 2016: um voo de Philadelphia a Atlanta pegou tempo muito ruim e teve de ser desviado para o Tennessee. A tripulação se cotizou e pediu pizzas para todo mundo a bordo.

Também em dezembro passado, um piloto da Easy Jet que iria de Chipre para o aeroporto de Gatwick, em Londres, teve de atrasar a partida por 20 horas devido ao mau tempo. Isso causou a perda de um dia de aula para 32 crianças que visitavam Chipre com seus pais. Para minimizar os efeitos desse atraso, o Cmdt. Wayne Mott se dispôs e escreveu as 32 notas de justificativa de ausência para a criançada. O melhor, as notas eram muito boas, como a que ele escreveu para Joshua Skuse, de 8 anos: “Peço desculpas por Joshua não ter isso à aula hoje. É que ele esteve envolvido em uma missão secreta no Mediterrâneo Oriental. Espero que a missão seja completada logo e que ele os veja na manhã de terça-feira, com os olhos brilhantes e cheio de vontade”.

O comandante Mott foi convidado a dar uma palestra na escola de Joshua.

Também no dia 10 de abril, outro incidente inusitado em um voo da United, este de Houston, Texas, para Calgary, no Canadá. O passageiro Richard Bell, que viajava acompanhado da esposa Linda, estava comendo quando, de repente, sentiu algo cair do compartimento de bagagens de mão em seu cabelo.

“Eu, imediatamente, peguei a coisa e segurei forte. Era um bicho que estava seguro pela cauda. Um outro passageiro me advertiu do perigo e eu soltei: era um escorpião. Ele começou a correr pela minha bandeja e eu tentei pegá-lo de novo. Foi aí que ele me picou.” Foi tamanho o susto que ele jogou o bicho longe. Uma comissária prendeu o escorpião no chão, com um copo de vidro e deu um jeito de jogá-lo em uma privada e dar a descarga.

Neste caso, a United fez o certo: ligou para especialistas para saber qual era o perigo e, quando o avião chegou a Calgary, havia uma equipe médica para levar Bell a um hospital, onde foi medicado e logo dispensado. A United ofereceu crédito em viagens e o casal aceitou.

Mas naquele dia, o médico arrastado deu uma surra de audiência no escorpião.  E o veneno ficou todo para a United.

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