Especial para ASAS
Nos últimos anos, as alegadas interferências de hackers russos nas eleições norte-americanas e as frequentes ameaças e quase enfrentamentos entre forças dos EUA ou de seus aliados com os russos no espaço aéreo sírio, tem feito o mundo reviver, se bem que de forma bem menos ampla, o clima da Guerra Fria reinante no planeta na segunda metade do século XX. Tal “conflito”, como sabemos, caracterizou-se pelo embate indireto, quer fosse militar, político ou ideológico entre os capitalistas de Washington e seus homólogos comunistas do Kremlin, que se estendeu do período imediatamente após a 2ª Guerra Mundial, até a implosão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), no início dos anos de 1990 daquele século. Um dos aspectos mais marcantes e importantes desse período histórico foi a chamada Corrida Espacial, na qual norte-americanos e os então soviéticos competiam pelo pioneirismo tecnológico e a hegemonia na conquista do espaço, competição esta que acabou por dar origem a alguns dos mais incríveis e importantes episódios da ainda jovem história espacial da humanidade. Quem não se recorda das primeiras palavras de Yuri Gagarin ao ver a Terra do espaço pela primeira vez, as filmagens do primeiro pouso na Lua ou a incrível sequencia do ônibus espacial Challenger transformando-se em uma grande bola de fogo frente ao azul infinito?
Como não poderia deixar de ocorrer, logo Hollywood viu nas aventuras do homem pelo espaço e na corrida às estrelas férteis nichos a serem explorados, gerando varias produções épicas, como “2001, Uma Odisseia no Espaço” (1968), “Os Eleitos – Onde o futuro começa” (1983) e “Apollo 13 – Do desastre ao triunfo” (1995), só para citar as mais conhecidas e premiadas. Todas estas películas, todavia, apesar de realmente soberbas, trazem apenas o lado das conquistas norte-americanas na Corrida Espacial, não tendo praticamente contrapontos de qualidade produzidos pela indústria cinematográfica da antiga URSS – ao menos, acessíveis para nós. Agora porém, passados quase trinta anos da derrocada da potência comunista, o emergente e cada vez mais refinado novo cinema russo começa a explorar o tema com a qualidade de produção e os efeitos especiais que as conquistas da antiga União Soviética nesta área merecem, fazendo chegar às telas uma incrível leva de longas que mostram a realidade do programa espacial soviético (russo), quase sempre bem diferente da versão perpetrada na história oficial. Pois é esse exatamente o caso de “Время первых”, ou “Primeira Vez”, numa tradução livre para o português, mas que ganhou o título de “Spacewalker” para sua distribuição internacional.
O longa, totalmente filmado em tecnologia 3D e lançado nas salas de exibição russas em abril de 2017, foi dirigido pelo cineasta e diretor de televisão Dmitry Kiselev, contando a história de erros e acertos por trás da missão Voskhod 2, enviada ao espaço em 1965, dentro do programa Voskhod e que tinha como objetivo a realização da primeira caminhada espacial de um homem na orbita terrestre, feita pelo cosmonauta Major Aleksei Leonov, mas que se revestiu de grande importância na época, pois manteve a União Soviética na vanguarda da Corrida Espacial. No entanto, ao mesmo tempo em que o feito era anunciado com eloquência pelos meios informativos do Regime Comunistas, Leonov, interpretado pelo ator Yevgeny Mironov, e seu companheiro, o Tenente-Coronel Pavel Belyaev, vivido por Konstantin Khabensky, se deparavam com inúmeros e sucessivos problemas técnicos, advindos do adiantamento em dois anos que a missão sofrera, tendo que resolve-los se não quisessem figurar nas estatísticas como mais duas vitimas do programa espacial soviético.
Tendo custado 400 milhões de rublos, algo em torno de 6,9 milhões de dólares, em sua maior parte financiados pela autoridade cinematográfica estatal, “Spacewalker” caracteriza-se por uma produção esmerada e cuidadosa, algo recorrente no novo cinema da Rússia, alem de apresentar efeitos especiais de primeiro nível, que rivalizam com qualquer filme hollywoodiano sobre o mesmo tema. Para os apreciadores da aviação, o filme é particularmente especial, uma vez que, junto a foguetes lançadores e naves espaciais, trás impressionantes recriações digitais de clássicos da aviação soviética, como os Mikoyan-Gurevich MiG-17 “Fresco”, Antonov An-2 “Colt” e helicópteros Mil Mi-8 “Hip”, ademais de dois ícones, um Tupolev Tu-104 “Camel”, primeiro avião comercial a jato dos soviéticos, no caso adaptado para simulação de gravidade zero e um gigantesco AEW&C Tupolev Tu-126 “Moss” – todos aparecem na tela.
Não obstante tenha gerado críticas positivas pela imprensa especializada dentro e fora da Rússia, “Spacewalker” não foi um grande sucesso de bilheteria no mercado interno, recebendo ainda algumas críticas por parte de historiadores e acadêmicos, principalmente pela introdução de episódios fictícios para fins puramente dramáticos e pela ausência na trama do lendário cosmonauta Yuri Gagarin, figura importante na preparação da missão real da Voskhod 2; mesmo assim, o filme acerta em mostrar as pressões do poder central soviético sobre que os envolvidos no programa espacial e a incrível simplicidade dos veículos espaciais soviéticos e as reais condições em que trabalhavam os técnicos, nada comparável a riqueza de recursos de seus iguais norte-americanos.
“Spacewalker” já se encontra disponível em DVD e Blu Ray em alguns países europeus, incluindo Alemanha e Reino Unido, mas não há ainda previsão para seu lançamento no Brasil.
Clique nas imagens para ampliar: