DOS ARQUIVOS DE ASAS

Voando o Il-2

Terror dos Panzer alemães na 2ª Guerra Mundial, o Ilyushin Il-2 transformou o seu “nome de serviço”, Shturmovik, em sinônimo de aeronave de ataque, blindada, destruidora de tanques e outros blindados! Para as tropas hitleristas, que os odiavam, os Il-2 eram a “Schwarze Tod”, a Morte Negra. Para os soldados soviéticos, lutando por sua Pátria contra o invasor, podiam ser mais preciosos “que o pão ou o oxigênio que respiram”. Terminado o conflito, porém, em pouco tempo, desapareceram de serviço. Até não restar mais nenhum voando, por uns 50 anos, até que, em 2011, o primeiro Shturmovik restaurado surgiu, levando o icônico Il-2 de volta aos céus!

Um segundo exemplar operacional foi a sensação deste último Salão Aeroespacial de Moscou, o MAKS 2017, realizado neste mês de julho em Zhukovsky, ao sul de Moscou, Rússia.

Aqui, o piloto de testes Vladimir Barsuk contou para ASAS como é pilotar este clássico dos clássicos, verdadeiro ícone da história da aviação. Do acionamento do motor às manobras de combate. Bem-vindo à bordo!

O acionamento é simples e confiável.O motor começa de maneira estável,sem necessidade de injeções adicionais de combustível ou mudanças na seleção de controle do motor.O cheque de pré-vôo não tem características especiais.Devo observar uma operação mais inerte do controle elétrico de rotações por minuto (rpm) da hélice – se no MiG-3 uma mudança de 2.800 rpm para 1.700 leva de 2 a 3 segundos, no Il-2 isto requer de 5 a 7 segundos, sendo estão recomendado dominar estas técnicas e características ainda em solo, durante acionamentos do motor e taxiamentos. E, falando destes últimos, o táxi é notável por sua simplicidade.

Uma boa visão para a frente, no cockpit, garante segurança em todas as etapas do taxiamento, mas devido às limitações de visão lateral (à esquerda e à direita, num ângulo de 90º), recomendo o táxi com o canopy aberto. Deve-se levar em conta a grande inércia do avião e começar a frear ou mudar a direção taxiando com antecedência. Curvas com mais de 15° exigem a redução da velocidade para até uns 5km/h, ou menos, por causa da cauda longa. Assim, não é possível uma curva fechada em alta velocidade de táxi. Porém, é precisamente esta característica que permite ao avião melhor manter sua direção, e garante ao piloto uma facilidade de controle de direção numa reta, e principalmente nas corridas de decolagem e pouso.

Indo para a corrida de decolagem, esta é aconselhada de ser feita em duas etapas.

Até uma velocidade de 120km/h, manter as rotações do motor em 2.600rpm, elevando-as de modo suave até o padrão em voo, de 3.000rpm. Essa técnica diminui a força de torque à direita, permitindo ao piloto manter a direção apenas com uma leve aplicação de leme, sem precisar usar os freios. Aliás, o uso dos freios na corrida de decolagem (que, logicamente, aumenta a distância de pista) só é permitido na primeira metade da corrida, e num caso de emergência. Assim, na decolagem, se o leme não for o suficiente, e o avião estiver se desviando para a direita, é recomendável reduzir um as rotações do motor, para se manter a direção da corrida de decolagem.

Se necessário, em decolagens e pousos com vento lateral ou em pista molhada, é aconselhável usar a trave da roda da bequilha, facilitando ao avião manter a direção de decolagem, ou no pouso. E a visibilidade muito boa do cockpit permite ao piloto detectar o menor desvio e eliminá-lo do modo adequado.

Antes da decolagem, defina o trimmer do leme de elevação em -0,5º (a partir da posição neutra). O Il-2 “deixa” a pista a 130km/h (numa decolagem sem uso dos flaps, o Il-2 deixa o solo a 150km/h, e a corrida de decolagem aumenta em cerca de 50-70m). O aumento da potência do motor após 120km/h pode exigir alguma aplicação à esquerda após deixar o solo. Chegando a 1,5-2m de altura, deve-se começar a acelerar, para se atingir até 210km/h. A 180km/h, chegando a uma altitude de 10 a 15m, destrava-se o trem de pouso, e este é recolhido. O piloto deve controlar a retração, usando os indicadores mecânicos, e pelo piscar das luzes vermelhas indicativas.

Enfim, ao se atingir 210km/h e uma altitude de 50m, são recolhidos os flaps.

A subida é feita numa velocidade entre 210-380km/h e em potência normal de cruzeiro – devo dizer que, em toda sua faixa de velocidades de voo, o Il-2 é estável e controlável. Para a subida, após a decolagem, o melhor regime é a 240km/h. Os esforços aplicados aos controles pelo piloto, até 250km/h, são normais, semelhantes ao dos caças MiG-3 e I-16. Acima disso, à medida que a velocidade aumenta cada vez mais, o esforço vai se tornando significativo, até que em velocidades acima de 340km/h, uma curva de 10-15° requer o uso das duas mãos no manche.

Em voo, a força de torque do motor é neutralizada pelo leme com facilidade. O trimmer do leme de elevação mostra boa eficiência, estando convenientemente dentro da visão do piloto, e em caso de falha do leme de elevação permite o fácil controle do avião em arfagem em todas as etapas até o pouso.

Se se aplica um forte movimento no manche para subir, em velocidades de 180km/h para mais, pode-se notar uma diminuição de esforço no controle de arfagem, até o surgimento de esforços inversos. Isto exige uma atenção especial ao se executar algumas manobras verticais e horizontais com sobrecargas, como subidas fortes, curvas fechadas e saídas de mergulho, em que a inclinação lateral seja de mais de 45º. Isto é uma peculiaridade típica de muitos aviões da época, que tinham contrapeso na cauda – por exemplo, o MiG-3 tem uma característica muito semelhante.

O regime normal de voo estabilizado usa uma faixa de velocidade de 180-380km/h, sendo 380km/h a velocidade máxima de voo nivelado, e 138km/h a mínima. Pouco abaixo desta, o Il-2 entra em estol, “caindo” à direita, mas empurrando o manche “para longe de si”, o piloto rapidamente pode tomar controle da aeronave novamente.

Uma atenção redobrada deve ser dada ao controle do regime da temperatura no sistema de arrefecimento líquido – em velocidades de voo altas, de 250km/h ou superiores, com a porta do radiador a água completamente fechada, a temperatura esfria a 80ºС; enquanto após o pouso, em táxi, com a porta do radiador de água aberta, a temperatura chega ao máximo permitido de 135ºС. Já a temperatura do óleo é constante em todos os modos na faixa operacional, entre 60-70ºС.

Em termos de manobras de combate, o Il-2 realiza mergulhos com estabilidade com um ângulo de 30°, acelerando até 420km/h. Deve-se notar que uma mudança na trajetória nesta velocidade requer maiores esforços e mais tempo. Em situações de combate reais, tal característica dava a vantagem de manter a trajetória de voo mesmo quando o aparelho era atingido por projéteis do fogo antiaéreo. Já a saída do mergulho ocorre com um “atraso” de 100-150m, de modo que o início da recuperação não deve ocorrer a menos de 300m da altitude absoluta. Já em vôos de formação é necessário levar em conta a grande inércia do avião durante a re-formação e reunião de formação.

Já as aproximações e pouso com o Il-2 não tem nada de especial. Ao descer, a velocidade deve ser reduzida suavemente até 210km/h. Baixa-se o trem de pouso, verificando-se o travamento deste pelos dispositivos mecânicos e pelo piscar das luzes verdes de alerta no painel. A uma altitude não inferior a 200m, reduz-se a velocidade para cerca de 180km/h e são acionados os flaps. Inicialmente, estes são estendidos na mesma posição de decolagem. Não se percebendo nenhuma inclinação incomum, reduz-se a velocidade para 150km/h, passando-se então os flaps para a posição de pouso. Este movimento final dos flaps ocorre automaticamente.

Já com o avião devidamente flapeado para o pouso, o piloto deve acelerar levemente, até 190km/h, fazendo então a aproximação para pouso nessa velocidade.

E a aterragem é realizadas em qualquer peculiaridade.

Mantem-se uma velocidade de pelo menos 190km/h em uma linha reta, e a partir de uma altitude de 5-7m, começasse a nivelar, puxando o manche para levantar o nariz, de modo a estar na posição perfeita, arredondando o pouso, a cerca de 0,15-0,10m. O toque ocorre numa velocidade de 135km/h. Enfim, já na metade final da corrida de aterragem, estando a 50km/h, começasse a aplicar os freios das rodas principais. E o funcionamento destes tem que ser feito por impulsos, devido à sua pequena defasagem de tempo. Uma vez parado, destrava-se o movimento da roda da cauda, para taxiar e desocupar a pista de pouso.

Após voar o Ilyushin Il-2/m3 Shturmovik, o que tenho a dizer de impressões gerais é que gosto muito do avião, que só me deu emoções positivas.

Gostaria de enfatizar a simplicidade incrível de pilotá-lo, tanto na decolagem quanto na aterrissagem. O Il-2 oferece uma visão muito boa do cockpit, e este tem uma excelente ergonomia. Excelente também é o sistema de frenagem. Nenhuma tendência para pilonar.

A presença de um painel horizontal do lado esquerdo do piloto, no qual estão as alavancas para estender e retrair o trem de pouso e os flaps, permite a colocação de um mapa e alguns outros equipamentos necessários em um longo voo.

Depois do acionamento do motor, antes da decolagem, tudo o que é necessário para partir é ligar cinco interruptores. O trabalho com flaps e válvulas de combustível é muito simples. Depois de se voar o MiG-3, tem-se a sensação constante de não ter feito tudo o que devia, ou ter esquecido de fazer alguma coisa, porque tudo é simples e de fácil acesso. Não se exige muito esforço do piloto na decolagem ou no pouso. De fato, o Il-2 perdoa até erros grosseiros no pouso. No terceiro voo com o aparelho, por exemplo, por estar cansado, errei na final do pouso, arredondando o toque ainda muito alto, a uns 0,50m. O avião perdeu sustentação e tocou a pista com força, saltando para o ar um par de vezes, até que se acalmou e rolou com suavidade pela pista. Isto não teria sido possível num MiG-3 – o piloto teria de abortar o pouso e ir para uma segunda tentativa.

O Il-2 também dá um sentimento incomum de segurança. Como se a blindagem acalmasse você. Você percebe claramente que no caso de um pouso forçado, basta você se amarrar bem e o motor vai protegê-lo de um impacto, e a blindagem vai resistir e manter sua integridade, inclusive protegendo você da parte da cauda. Alexander Nikolaevich Yefimov falou sobre essa garantia. O fato de estar protegido das balas e projéteis inimigos dava confiança para operar sobre o campo de batalha. Um avião de soldado. Ao contrário, voar no MiG-3 depois do Il-2 lhe dá um sentimento de vulnerabilidade – nas laterais do cockpit de um piloto de caça existem apenas finas folhas de metal. Ao fazer ataques ao solo com o MiG-3, o piloto estava absolutamente desprotegido do fogo antiaéreo. É evidente que, sob o comando de um piloto experiente da aviação de ataque, que conhecia os pontos fortes dessa aeronave blindada, o Il-2 era uma arma ideal para o campo de batalha.

Por outro lado, o Il-2 tinha uma fraca manobrabilidade em altas velocidades, o que o tornava um alvo fácil para os caças inimigos. Dificilmente seria possível travar um combate aéreo em manobras verticais em alta velocidade e em uma altitude elevada. A melhor manobra de defesa contra um caça era a redução da velocidade ao mínimo, o que com os flaps acionados era de 125km/h, e então derrotar o inimigo por trás, quando este o ultrapassasse. E uma boa proteção contra os caças adversários era voar em altitudes extremamente baixas, onde o vôo de um caça em alta velocidade se torna muito perigoso.

Um piloto de ataque era um guerreiro de batalha, capaz de realizar as tarefas mais difíceis para fornecer apoio às tropas terrestres. A ele cabia carregar o maior peso das operações aéreas junto às forças terrestres, sempre em risco e tendo de se adaptar rapidamente à situação do momento. Se houver uma supremacia de nossas aeronaves sobre o inimigo no ar, era bom; se não houvesse, era ruim, mas de qualquer jeito tinha-se a obrigação de levar devastação às posições inimigas em terra, de qualquer jeito.

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